A sociedade ancestral. Também conhecidos como "índios cavaleiros", integrantes da única "horda" sobrevivente dos Mbayá, um ramo dos Guaikurú, guardam a lembrança de um glorioso passado.
Organizados numa sociedade que tinha num extremo os nobres e no outro os cativos, viveram do saque e do tributo sobre seus vizinhos, dos quais faziam depender sua própria reprodução biológica, uma vez que suas mulheres não geravam filhos ou permitiam a sobrevivência de apenas um, quando já estavam no final de seu período fértil. Estas mulheres dedicavam-se à pintura corporal e facial, cuja especial disposição dos elementos geométricos Lévi-Strauss considerou como característica das sociedades hierárquicas. Desenhos que impressionam pela riqueza de suas formas e detalhes, a que temos fácil acesso através da vasta coleção recolhida por Darcy Ribeiro, reproduzida no livro que publicou sobre os Kadiwéu.
Os capturados em guerra no passado, preferencialmente crianças e mulheres, eram incluídas nesta sociedade sob uma categoria específica, a de "cativos", ou gootagi (nossos cativos), no dizer Kadiwéu. Os Guaikurú-Mbayá fizeram cativos de diversos outros povos indígenas, sobretudo aos Xamakôko, habitantes de território paraguaio, sua mais importante fonte. Também fizeram cativos aos brancos, portugueses ou espanhóis, brasileiros ou paraguaios, conforme registrou a crônica histórica e a memória Kadiwéu. Os Mbayá mantiveram ainda uma outra qualidade de relação, aquela que estabeleceram com os Terena (um subgrupo dos então chamados Guaná ou Txané), sociedade também dividida em estratos. Consentiam o casamento entre seus nobres e as mulheres de alta estirpe Terena, adquirindo, por meio deste, o direito sobre as prestações de serviço, sobretudo produtos agrícolas, advindos da produção deste último povo.
Na Guerra do Paraguai, escolheram lutar pelo Brasil, razão pela qual tiveram suas terras reconhecidas, embora até hoje não estejam inteiramente garantidas.
A adoção de um vestuário "country" pelos homens Kadiwéu da atualidade revela seu apego a um modo de vida apoiado no uso e criação de cavalos, de que ainda mantêm rebanhos, embora bem menores que os do passado.
Língua. Os Kadiwéu pertencem à família lingüística Guaikurú, na qual se incluem outros povos do Chaco, que são os Toba (Paraguai e Argentina), os Emók, ou Toba-Mirí (Paraguai), os Mocoví (Argentina), os Abipón (extintos) e os Payaguá (extintos). Dentre estes grupos Guaikurú, os Kadiwéu são os mais setentrionais e o único localizado a leste do rio Paraguai, no Brasil.
Alguns velhos, mulheres e sobretudo as crianças falam apenas o Kadiwéu. Um bom número dentre os Kadiwéu, contudo, se comunica com facilidade em português. Há, na língua Kadiwéu, muitas diferenças entre as falas masculina e feminina. É interessante notar que os descendentes de Terena que vivem entre os Kadiwéu usam apenas o português para se comunicar na aldeia (não usam a língua Terena nem entre si). Entretanto, mesmo que não falem, entendem perfeitamente o Kadiwéu, pois é nesta última língua que são interpelados.
Localização. Os espanhóis colonizadores chamaram de Mbayá (termo provavelmente de origem Tupi) aos Guaikurú (nome também de origem Tupi) dos quais descendem os Kadiwéu. Com origem no lado ocidental do rio Paraguai, parte dos Mbayá atravessou, no século XVII, para a banda oriental. Com a pressão das frentes colonizadoras, deslocaram-se mais para o norte e os que ainda não tinham migrado para leste do rio o fizeram no final do século XVIII. Nessa época, o seu território estendia-se das serras que separam os rios Paraná e Paraguai até mais além da latitude de 18° sul.
Os Mbayá dividiam-se em diversas hordas, cada uma com um nome específico que se associava a acidentes naturais dos locais que habitavam. Uma delas, a dos Cadiguegodis, tinha, no século XVIII, o seu território banhado por um riacho que os índios chamavam de Cadigugi. Tudo indica que esta última horda seja a dos ancestrais dos Kadiwéu atuais. A horda dos Kadiwéu foi a última a migrar para o lado oriental do rio Paraguai, e era a única sobrevivente já na segunda metade do século XIX.
Os Kadiwéu, que a literatura histórica uma vez chamou de "os índios cavaleiros", por sua condição de possuidores de um vasto rebanho eqüino e sua admirável destreza na montaria, vivem hoje em território localizado no Estado do Mato Grosso do Sul, em terras em parte incidentes no Pantanal matogrossense. O seu território tem como limites naturais a oeste os rios Paraguai e Nabileque, a leste a Serra da Bodoquena, ao norte o rio Neutaka e ao sul o rio Aquidavão. Dentro deste território, a população Kadiwéu se divide entre quatro aldeias. A aldeia maior, Bodoquena, localiza-se no nordeste da Terra Indígena, ao pé da Serra da Bodoquena, vizinha à aldeia Campina, que fica já no alto daquela serra. A aldeia Tomázia localiza-se no sul da Terra Indígena. Também no sul encontra-se a aldeia São João. Habitam esta última aldeia principalmente índios Terêna e remanescentes de Kinikináo. Algumas famílias Kadiwéu vivem ainda em pequenos grupos, em localidades no interior da Terra Indígena mais afastadas das aldeias principais, onde criam pequeno gado.
A Terra Indígena Kadiwéu está no município de Porto Murtinho. Bodoquena é a cidade mais próxima da aldeia maior (60 km), seguida de Miranda e Aquidauana. Campo Grande (310 km) é o centro urbano de maior importância estratégico-administrativa para os Kadiwéu. Ali está sediada a administração da FUNAI que os jurisdiciona, a associação dos fazendeiros arrendatários (ACRIVAN - Associação dos Criadores do Vale do Aquidaban e Nabileque) e a ACIRK (Associação das Comunidades Indígenas da Reserva Kadiwéu).
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